A fábula do sapo e do escorpião, de autor desconhecido, é uma das mais populares e serve, muitas vezes,para uma analogia e visão pessimista da natureza humana. No caso, é um convite à reflexão, a mensagem não acaba com o desfecho da narrativa, pois exige resposta do leitor, que deve confirmá-la ou questioná-la.
As fábulas são narrativas que promovem o distanciamento de quem as lê, afinal os personagens não são pessoas, mas animais com características humanas. Isso evita a identificação com estereótipos como princesas e príncipes e enfatiza a moral da história. Por isso são muito utilizadas na educação infantil, como as milenares fábulas de Esopo.
Vejamos :’ Era uma vez um sapo e um escorpião que estavam parados à margem de um rio. Você me carrega nas costas para eu poder atravessar o rio? – Perguntou o escorpião ao sapo.
De jeito nenhum, você é a mais traiçoeira das criaturas. Se te ajudar, me mata em vez de me agradecer.
Se eu te picar com meu veneno – respondeu o escorpião com uma voz terna e doce, morro também. Dá-me uma carona, prometo ser bom, amigo sapo.
O sapo concordou e durante a travessia do rio, sentiu a picada mortal do escorpião e perguntou:Por que você fez isso? Agora nós dois morreremos afogados. Porque é da minha natureza, respondeu o escorpião. E eu não posso mudá-la’
Que analogia podemos fazer entre os comportamentos do sapo e do escorpião, com humanos?
Para João José R.L. Almeida, Professor, Doutor em filosofia na Unicamp, em texto com o título, Desejar e ser traído, do qual faço um resumo adaptado, a ação do sapo ao carregar o escorpião nas costas é de desejo. A ferroada perpetrada pelo escorpião também. Quanto aos fatos, não há dúvida. O problema dessa história é a questão ética. Não nos parece bom, nem útil ou proveitoso a ação de seduzir para matar.
Pelas leis humanas o escorpião seria passível de acusação por homicídio doloso caso sobrevivesse ao afogamento. O sapo não poderia negar que agiu porque quis,embora enganado, vítima de uma armadilha mortal, traído pelo desejo de ajudar.
A atitude de coação e sedução perpetrada pelo escorpião não retira a espontaneidade, e, portanto, a livre vontade do sapo? No direito, sim; mas para a psicologia, não. Para o direito, a figura da coação agrava a atitude do réu e isenta de responsabilidade a vítima. Para a psicologia, contudo, não há sentido em dizer “vontade não-livre” ou “desejo não-meu”.
A psicologia leva em consideração o fato de que as ações (e os desejos) estão imbricadas numa rede tão complexa de correlações com outras ações passadas e presentes, assim como também a projeções de futuro, que dificilmente alguém se dá conta do peso real do ato de desejar.
Um ser humano não é um átomo com uma vida secreta e interior. Cada pessoa, para o mal e para o bem, é parte indissolúvel de uma rede. Tal rede tão complexa é o que nos dá a sensação de que o desejo é inconsciente.
Para o caso do sapo, a responsabilidade não é negar o desejo, mas adquirir sabedoria para identificar e não confiar em ‘escorpiões, sociopatas por natureza, que conseguem disfarçar a maldade inata.
Não sabe comprar peixe quem só foi à feira uma vez. Ou vai-se à feira, ou morre-se de fome ou de inabilidade. O desejo pressupõe o risco porque não tem fundamento. Entretanto, parece não haver nada tão profundamente humano como a disposição à abertura. Os sapos devem render-se à sedução sem perder seu senhorio.
E para concluir, sei de um caso real, de um ‘sapo humano’, ferroado por um‘escorpião que parecia humano’, disfarçado de amigo, depois pelo‘filhote’ ‘escorpinhãozinho’, quando os atravessava num rio de dificuldades. Neste caso o ‘sapo’ sobreviveu e os deixou numa ilha de amargura, onde esperam alguém que os ajudem a concluir a travessia difícil. Posso ajudar, mas com garantias seguras, contra traição.
Mesmo crendo que os piores humanos não são tão traiçoeiros e burros, quanto o escorpião da fábula, desconfio…
Akino Maringá, colaborador
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