Recentemente falei da cedilha. Um amigo carioca, Renato Alves, poeta e professor, chamou-me a atenção para outro sinal gráfico, o til (~), que tem igualmente uma historinha bem interessante.
O til – aquele risquinho fanhoso que parece uma pequena onda – é nada mais que um pequenino “n” – um n-zinho. Em espanhol ele é colocado em cima do “n” para produzir o som “nh”: “España, mañana. Em português é usado para nasalizar vogais: botão, corações.
O til acompanhou o processo de evolução do nosso idioma, a partir do latim. Uma das especulações a respeito diz que seus inventores foram uns monges copistas que trabalhavam em conventos na Espanha e em Portugal. Por alguma razão, costumavam colocar o “n” em cima da vogal anterior em palavras como “chão” (planus > chano > chão); “mão” (manus > mano > mão). Uma forma de abreviatura, mais ou menos como se faz hoje no internetês: pq, vc, ñ, bjs.
Na história da língua portuguesa há incontáveis exemplos de transformação do “n” em til. Lembremos alguns: cidadanus > cidadano > cidadão; germanus > hermano > ermano > ermão > irmão; vulcanus > vulcão; canes > cães; panes > pães; leones > leões.
Em alguns casos, a evolução chegou à desnasalização: “bona” virou “bõa, que depois “boa”. Deu-se o mesmo com persona > persõa > pessoa; corona > corõa > coroa; plena > chena > cheia; arena > areia; luna > lua.
Ficou claro? Então tá. Porém, como um assunto puxa outro, vem-me à lembrança uma polêmica ainda não suficientemente resolvida, embora os gramáticos, para amenizar a briga, digam que as duas formas estão corretas: /Roráima/ ou /Rorãima/? Vamos conferir.
A fonética geralmente obedece às tendências naturais do nosso aparelho fonador, que por sua vez obedece à “lei do menor esforço” (lex minoris conatus). Por uma dessas tendências, as consoantes nasais “m” e “n” contagiam a vogal que venha atrás delas. Assim é que, por exemplo, na palavra “cOmo” o primeiro “o” soa nasal, enquanto o segundo soa oral. Dá-se o mesmo com “draAma”, “trEme”, “sOno”, “pOmo”, ‘mÍni”, “hÚmus”, “mÚnus”. “Muito” talvez seja o único caso em que o “m” nasaliza a vogal posterior a ele.
Nos ditongos (vogal + semivogal), a consoante nasal nasaliza a vogal (o fonema mais forte): “paina” /pãi-na/. Nos hiatos (vogal + vogal), é nasalizada a vogal mais próxima do “n” ou do “m”: “Janaína” /Ja-na-ÍN-na/, “Coimbra” /Co-IM-bra/.
Mas voltemos a Roraima (que significa “Montanha Verde”). Os roraimenses pronunciam /Roráima/, aliás amparados até por uma norma estabelecida pela Assembleia Legislativa. Parece que em todo o Norte e Nordeste há também preferência por essa forma. Nas demais regiões, todavia, a pronúncia mais frequente tem sido /Rorãima/, tal como ocorre com “Bocaina” /Bocãina/, “faina” /fãina/, “aplaina” /aplãina/, “amaina” /amãina/, “andaime” /andãime/ e outras tantas.
Para concluir: você diz /bá-nã-na/ ou /bã-nã-na/? E chama o Jaime de /Jáime/ ou de /Jãime/?
Lembra o padre Zanettini? Ele chamava Dom Jaime de /Dom Jãime).
A. A. de Assis
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