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O problema nem sempre é o excesso de trabalho, mas a falta de desafio

Muito se fala sobre o burnout, o colapso por sobrecarga que se tornou uma epidemia no mundo corporativo. Mas existe um adversário igualmente perigoso e muito mais silencioso: o “boreout”. Trata-se da síndrome do tédio crônico no ambiente de trabalho, uma condição caracterizada não pelo excesso, mas pela sensação de subutilização. Se o burnout é o grito de exaustão de quem faz demais, o boreout é o sussurro de desespero de quem sente que não faz nada que realmente importe.

Boreout é aquela sensação de ser apenas um executor de tarefas, e não um agente de transformação; de ter o potencial represado e as habilidades desperdiçadas. O resultado dessa subutilização crônica é uma corrosão gradual da autoconfiança. O profissional começa a duvidar das próprias competências que antes se orgulhava. A frustração inicial dá lugar ao cinismo e à apatia. A identidade profissional, que deveria ser uma fonte de realização, começa a ser percebida como uma farsa, gerando um distanciamento perigoso entre o que a pessoa é e o que ela faz no trabalho.

O cérebro humano é projetado para buscar e resolver desafios. Quando submetido a uma rotina de baixa exigência intelectual, ele deixa de evoluir. Habilidades críticas como a resolução de problemas complexos, o pensamento estratégico e a criatividade entram em um processo de atrofia. O profissional se sente entediado, perde a capacidade de se adaptar e se manter relevante no mercado.

Daniel H. Pink, em sua obra “Motivação 3.0”, argumenta que a verdadeira motivação humana se apoia em três pilares fundamentais: Autonomia, Maestria e Propósito. O boreout ocorre justamente na negação sistemática desses pilares. 

A falta de Autonomia se manifesta na microgestão, no impedimento de tomar decisões sobre o próprio trabalho, no sentimento de ser apenas uma peça em uma engrenagem que não se controla. A ausência de Maestria surge da rotina sem desafios, da execução de tarefas que não ensinam nada novo e que impedem o desejo humano de ser cada vez melhor em algo. Por fim, a carência de Propósito se revela na desconexão entre a função exercida e o impacto final da empresa – sensação de que o próprio trabalho é irrelevante.

Do ponto de vista da aprendizagem, que é minha área de estudo, o cenário é fatal. O cérebro humano é um órgão projetado para resolver problemas e superar desafios. Quando privado de estímulos, perde o engajamento; sua confiança se esvai, sua criatividade se retrai e, mais grave, sua capacidade de aprender a aprender é minada. 

Por isso, as lideranças precisam estar atentas. Uma equipe quieta e sem questionamentos pode não ser um sinal de harmonia, mas de estagnação e desinteresse. O caminho para combater o boreout passa pela criação de um ambiente que confie no “como” do profissional, e não apenas dite “o quê”. Significa delegar problemas, e não apenas tarefas; significa incentivar a curiosidade e dar espaço para a iniciativa.

Portanto, o alerta precisa ser feito com clareza. O boreout não é preguiça nem um luxo de quem tem pouco a fazer. É uma condição corrosiva que mina o potencial, destrói a confiança e adoece profissionais em silêncio. A pergunta que líderes e os próprios profissionais precisam se fazer é: estamos construindo carreiras baseadas em mera ocupação ou em verdadeira realização? A diferença entre as duas perspectivas pode ser a fronteira entre um profissional engajado e um talento permanentemente perdido.

Ronaldo Nezo
Comunicador Social
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras |  Doutor em Educação

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