
Antigamente era comum, para os menos letrados, dizer que uma pessoa caducou, ficou caduca e os mais refinados já falavam em demência, para um problema que afeta a muitos, com idade mais avançada, ou nem tanto, o denominado Alzheimer, doença neurodegenerativa que causa demência, ou seja, uma diminuição progressiva da função mental.
Falávamos, em família, de quais seriam as causas que levam pessoas e ficarem por muito tempo acamadas, em estado vegetativo, sem reconhecer nem mesmo familiares mais próximos, muitos tendo parado de trabalhar por falta de condições, com menos de 70 anos, quando minha esposa citou esse terrível mal e nosso filho lembrou da atriz Fernanda Montenegro, que aos 95 anos, fez recentemente um filme.
Ocorreu-me, então, uma reflexão sobre a memória, e porque ela parece se apagar para uns e permanece ativa para outros, mesmo em idade avançada.
Coincidentemente encontrei um artigo de do escritor Julián Fuks, como título :O fim de quase toda memória: então é assim que as histórias acabam, que assim resumimos:
‘Foi há um tempo incerto, um senhor se aproximou num museu, com semblante amigável, queria me dizer algumas palavras. . Não queria mais que me contar uma história. Sabia que eu me chamava Fuks, assim grafado com k, era um Fuks com k também ele. Que muitas décadas atrás, ainda jovem e imberbe, travara uma conversa das mais agradáveis com um outro Fuks, um homem que por qualquer indefinível razão ele nunca esqueceu.
Era um peleteiro de Buenos Aires, comentou, seria por acaso seu parente? O acaso de fato brincava conosco através dos tempos. Sim, aquele devia ser o meu avô, alfaiate de peles e chapéus do bairro de Almagro, um homem que passei longe de conhecer, morto há mais de meio século.
Saí dali um tanto inquieto ou intrigado, ou tomado por algum outro adjetivo que me faltava. Meu impulso imediato teria sido contar a história ao meu pai, não estivesse ele também morto. Em minha mãe o caso abriu um meio-sorriso, embora menos alegre do que incrédulo: um encontro banal tão memorável lhe parecia uma improbabilidade.
Foi então que me dei conta do que me fascinava na história: aquele senhor que me abordou no museu numa tarde inexata, e que agora não sei onde está, é o único sujeito ainda vivo que chegou a conhecer o meu avô, ou ao menos o único que pude ouvir falar. Sei muito pouco desse avô, Abraham, um personagem que meu pai evitava em seus relatos, talvez porque não fosse tão agradável quanto o homem que se instalou na memória do outro.
Tinha seus motivos para isso, em todo caso. Muito jovem se viu obrigado a deixar a vida para trás, deixar a Transilvânia de sua infância, fugir do antissemitismo que se fazia ameaçador. Em pouco tempo soube da dizimação de seus pais e de todos os demais familiares. Restou-lhe a mulher que amava, Ileana, com quem teve dois filhos e foi feliz por alguns anos, até que ela adoeceu e morreu ainda bastante nova.
Mas há uma razão para que eu mesmo não tenha esquecido do encontro com aquele senhor no museu. Acho que o que me interessa na história não é tanto a figura renascida do meu avô, e sim certo pensamento sobre a finitude. Então é assim que as histórias acabam, é assim que as existências se dissipam. Passou-se meio século desde a sua morte, e neste momento já não resta quase nada desse homem que gerou o homem que me gerou.’
Volto ao título, para dizer que apreendi com a Doutrina Espírita que o pensamento, a vontade, as memórias (lembranças), os conhecimentos adquiridos, a moral, estão no próprio espírito, e o perispírito apenas reflete. Todos os espíritos possuirão eternamente um períspirito. Como somos Espíritos imortais, a memória não se apaga. Tudo está gravado e nem sempre vamos acessá-la, mas há casos, cada vez menos raros. de crianças que com pouca idade têm dons musicais e outros conhecimentos, que nada mais são o acesso à memórias de outras encarnações. Memórias que muitas vezes causam doenças, por culpas.
Akino Maringá, colaborador
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