Se vivesse hoje entre nós, será que Castro Alves escreveria o “Navio Negreiro”? Talvez até sim, e tão bonito quanto. O difícil seria encontrar leitor para tão longo e magistral poema, visto que tudo é tão corrido nestes tempos loucos.
Daí que a tendência é concentrar poesia em textos curtinhos, como se faz na trova ou no haicai. A trova tem quatro versos, correspondendo a 28 notas musicais. O haicai tem três versos, correspondendo a 17 notas. Uma trova se diz em oito segundos, um haicai em apenas seis.
Na trova tenho mais experiência. No haicai há certas normas que só os bambambans conseguem seguir ao pé da letra, porém arrisco fazer uns versinhos à minha moda. Cito alguns exemplos. Sugiro ler devagarinho, para fruir bem cada um.
· Assanhadas rosas. / Disputam a preferência / de um raio de sol.
· Chocados os ovos, / há o choque dos seres novos. / E a vida prossegue.
· Flores na enxurrada. / Vão ter afinal bom hálito / as bocas de lobo.
· Os passantes param. / Carregadinhos de flores / os jacarandás.
· Klash klash klash. / Brincando de pula-pula / no laguinho as rãs.
· De novo nas ruas / o encanto das pernas nuas. / Viva a primavera.
· Pombo sobre pomba. / Virão logo fazer ninho / em minha janela.
· Suaves passeios. / O vô leva o neto ao bosque / para ouvir gorjeios.
· Mão de jardineiro. / Num leve toque de artista / faz do esterco a flor.
· Florzinha silvestre / no jardim do shopping-center. / Êxodo rural.
· Almocinho a dois. / Tico-tico come um tico / do fubá da tica.
· Sabiá caçando. Nem só de gorjeios vive, / mas também de insetos.
· Deixa o beija-flor / um selinho em cada rosa. / E elas gostam… ahhhh.
· Abelha se aninha / no colo do girassol. / Vai ter mel quentinho.
· Mosca na parede. / Avisem à lagartixa / que o jantar chegou.
· Gari, no capricho, / colhe as pétalas no asfalto. / São flores, não lixo.
· No meio do pasto / um ponto de exclamação. / Último coqueiro.
· Outrora cantavam / de tardezinha as cigarras. / Onde mora o outrora?
· A pombinha desce / numa imagem de Jesus. / Pousa a paz na luz.
· Teste de audição. Canta ao longe um pintassilgo / e eu escuto, oba.
Sujaram meu rio. / Ele, que lavava as gentes, / não lavou as mentes.
· Zunzunzum… zunzum… / É um pernilongo brincando / de fórmula um.
· Casal de velhinhos / na janela olhando a Lua. / Tão longe a de mel…
· Tanta coisa boa / virou coisa do passado. / Por exemplo: nós.
A. A. de Assis
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