Deu-se numa cidade de médio porte. O moço de vinte e poucos anos entrou na primeira igreja que encontrou. “Preciso falar com o padre”. A secretária percebeu o clima e o levou de pronto à sala do pároco. “Sente-se e diga em que lhe posso ser útil”. O rapaz foi direto ao ponto: “Quanto o senhor cobraria para conversar comigo por uma ou duas horas?”
– Aqui não cobramos para conversar com ninguém. Mas se o que você procura é um ouvido amigo e se aceita bater um papinho de graça, podemos começar. Sinta-se à vontade.
– Me desculpe se o ofendi. É que o senhor deve ser muito ocupado e então eu não queria abusar. Preciso só desabafar com alguém experiente e botar os meus grilos pra fora. Não pense que eu esteja louco ou bêbado, ou que tenha algum problema de saúde física: não tenho vícios, me alimento bem, faço academia. Também não tenho preocupações financeiras: meu pai tem recursos e cobre todas as minhas despesas.
– Nesse caso, por que parece tão angustiado?
– Sou um rapaz triste. Muito triste. Pra começar, minha família é um desarranjo. Meu pai raramente fala com minha mãe e com os filhos, aliás minha mãe está sempre num canto chorando. Minha única irmã casou com um sujeito safado que explorava o dinheiro dela e com frequência a maltratava, daí que o casamento durou menos de um ano. Comecei a fazer o curso de medicina, mas abandonei no terceiro ano por falta de motivação. Pior: não tenho amigos, não consigo encontrar uma namorada a contento, acho que sou um chato inútil que ninguém suporta. É isso aí, padre. Vim aqui pedir um alento.
– Por acaso você tem uma religião?
– Sei que fui batizado católico, só que nunca frequentei igrejas. Mas também não creio que seja essa a questão no momento. Meu caso é mais pra psy do que pra teologia.
– Ah, sim, entendo. Lembro apenas que teologia, psicologia, filosofia geralmente se entrelaçam, e juntas ajudam a compreender melhor os mistérios da alma e da mente. Mas disso, se lhe interessar, poderemos falar em outra ocasião. Vamos por partes. Você disse que tem o corpo saudável, todavia sente a alma enferma – possível razão de sua tristeza crônica. Tem que então curar a alma, porém antes precisa desatordoar a cabeça e dar um sentido à vida. Topa tentar?… Por ser um moço inteligente e com noções de medicina, ficará mais fácil.
– Tá. Vou nessa. Que caminho o senhor sugere?
– Temos aqui na paróquia uma Pastoral da Escuta. Vou encaminhá-lo à líder da equipe e pedir que ela o acolha. Só que você não vai como paciente, e sim como colaborador. Em vez de se preocupar tanto com os seus próprios problemas, ajudará a resolver problemas alheios. Com a sua experiência de sofrimento e os seus conhecimentos científicos, terá muito o que oferecer.
Algumas semanas depois o moço estava de volta à universidade, agora matriculado num curso de psicologia. E mais: integralmente engajado na Pastoral da Escuta.
A. A. de Assis
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