Ei, pensa comigo, liberdade é garantia de direito de fazer tudo o que queremos?
Vivemos numa sociedade individualista. E que prega a liberdade do indivíduo como bem maior. Acontece que individualidade e liberdade nem sempre produzem bons resultados. Na verdade, as duas coisas somadas podem fazer muito mal.
Dias atrás, enquanto desenvolvia alguns argumentos teóricos numa de minhas aulas, entramos num tema delicado: a relação que temos com nossos vizinhos. O contato que temos com nossos vizinhos pode ser algo bastante prazeroso – alguns, inclusive, tornam-se bons amigos e estão dispostos até mesmo a nos auxiliar em situações complexas do dia a dia. Mas existem outros que também causam conflitos e provocam dores de cabeça.
Uma aluna contou que, semanas atrás, num domingo, o vizinho resolveu fazer churrasco na calçada da casa dele. Som ligado, gente bebendo, rindo, falando alto, fumaça da churrasqueira invadindo todos os espaços… Incômodo total para quem queria e precisava de um domingo mais tranquilo, para quem desejava estudar e descansar um pouco.
Outra acadêmica comentou que, no prédio dela, uma das vizinhas deixa os filhos brincarem nos corredores, entre as portas de entrada dos demais apartamentos. Os baixinhos espalham brinquedos e outros objetos por todo o espaço. As crianças gritam, riem, brigam… E quando alguém precisa sair ou chegar, tem que desviar daquelas coisinhas todas.
Da minha parte, também tenho histórias. No meu apartamento anterior, frequentemente uma vizinha chegava em casa quase sempre de madrugada. Dificilmente antes das 3h da madrugada. Estava frequentemente de salto e circulava pelo apartamento fazendo aquele barulho típico de salto até o momento de entrar no banho. Além disso, não sei por qual razão, tinha o hábito de arrastar os móveis de madrugada. Era rara a noite que não acordávamos com o barulho dela.
Já nos fins de semana, na frente do apartamento, tinha um dos bares mais badalados da cidade. As pessoas deixavam o local muito tarde da noite. Entretanto, dava impressão que não sabiam fazer isso sem ligar o som alto, acelerar forte e “cantar” os pneus do carro. Por que agiam assim? Certamente, porque entendiam ser o direito delas. Para pessoas que agem assim, respeitar quem está dormindo parece significar um cerceamento à liberdade delas.
Em todas essas situações citadas, podemos pedir para as pessoas agirem de forma diferente. Eu já experimentei, mas raras vezes fui ouvido. Na prática, a chance de a pessoa aceitar de bom grado a reclamação é pequena. A pessoa acha ter direito de “ser assim”, “fazer assim”. Entende estar no direito dela. Atender o pedido do outro é entendido como uma agressão a sua liberdade. Esse tipo de gente tem dificuldade para respeitar o vizinho, porque está centrada em si mesma. É a tal da individualidade, somada à crença de estar exercitando sua liberdade, em ação.
Essa concepção de liberdade está equivocada. Liberdade boa é liberdade com responsabilidade. E não apenas na relação com o vizinho. Mas em todas as práticas diárias. Quando pensamos no outro, sabemos ser responsáveis por ele – e que nossas escolhas afetam as demais pessoas. Não vamos fazer churrasco na calçada e nem ligar o som em alto volume (sem um diálogo ou conversa prévia), porque o vizinho pode estar cansado, ter tido uma noite ruim ou mesmo querer simplesmente assistir sossegado a série preferida na tv.
Quem pensa no outro, entra no apartamento em silêncio de madrugada para não acordar os vizinhos.
Quem tem responsabilidade com o coletivo, não bebe antes de dirigir. Também não fica mexendo no celular enquanto dirige. Não é só ele que corre risco, alguém inocente, que respeita as leis, pode ser vítima de sua pseudo “liberdade de escolha”.
Liberdade boa é enxergar os limites. Liberdade boa é não jogar papel ou latinha na rua… É usar o banheiro e facilitar o trabalho do zelador. É compreender que nem tudo que gosto ou quero fará bem às outras pessoas.
Certos usos da liberdade representam uma escolha por ser melhor, por ser superior – como se pudéssemos nos “presentear” com alguns privilégios.
Porém, ser livre é ser igual sim, mas no sentido de reconhecer o outro como digno de meu respeito. É meu semelhante, é igual a mim como humano, mas diferente em escolhas, gostos, comportamentos. E isso requer que o aceite e o acolha em sua diferença.
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Ronaldo Nezo
Comunicador Social
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação
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