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Adeus, relógio

No seu primeiro dia de aposentado, o professor acordou automaticamente às seis da manhã, como por todo o antes fizera, pronto para cumprir a rotina: tomar uma chuveirada, aparar a barba, beber um café apressado, pegar a pasta e sair correndo para as primeiras aulas de uma estafante jornada de três turnos. Súbito se deu porém conta de que a partir daquele dia nada disso constaria mais das suas preocupações. Meio como que “lost in space”, sentou-se na cama e perguntou a si mesmo: “E agora, colega, o que é que vamos fazer do nosso tempo?”  

     Era complicado lidar com a ideia de que ingressara em um novo regime: MGTI – Moringa Gelo em Tempo Integral. Amigos chegaram a aconselhá-lo a pedir ajuda a um psicólogo. Mas isso foi só no comecinho. Duas semanas depois já conseguia dormir até as oito. Vestia bermuda e camiseta, comia umas frutas e partia todo serelepe para a caminhada no parque.

     Com vida boa a gente se acostuma logo. Adeus relógio.  Adeus medão de festar no finde e perder a hora na segunda-feira. Adeus preparação de aulas, correção de trabalhos e provas. Adeus alunos. Adeus reuniões de departamento.

    Faz quase um ano que o bom mestre está livre para fazer o que bem entende. Agora, por exemplo, só lê o que antes chamava de cultura lúdica e só escreve coisas que antes julgava supérfluas, coisas que nada têm a ver com profissão.

    O que recebe pela aposentadoria não dá pra fazer nenhuma extravagância, mas é suficiente para o necessário. Juntando o dinheirinho dele mais o da companheira também aposentada, dá pra morar num apezinho legal, de vez em quando comer num restaurante, duas ou três vezes por ano fazer alguma viagem por aí.

    O importante é não esquentar a cabeça. Afinal de contas, batalhou quarenta anos seguidos. Chega. O dia continua do mesmo tamanho, só que ele hoje ocupa descontraidamente as horas: anda bastante, faz pilates, joga truco, presta alguns serviços sociais voluntários, vê um monte de filmes, brinca no computador.

   Ah, sim: uma vez a cada semestre visita o médico amigo para uma revisão geral na máquina: a próstata está bem-comportada, glicose e colesterol em níveis razoáveis, tudo no devido lugar, considerando a idade.

     Agora é tocar tranquilo a vida, até chegar o dia de subir em busca de paragens outras.

     Mas isso deve demorar ainda um bom tempo, visto que a nova moda é ficar por aqui até por volta dos cem anos.

A. A. de Assis
Foto – Reprodução

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