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O buraco negro do poder

Anos atrás, tive um chefe que gostava de repetir para alguns de seus colaboradores: “vocês não enxergam o todo; nós estamos numa posição que observamos coisas que estão em jogo que vocês não observam”.

Meu chefe não estava errado. Do ponto de vista das estratégias do negócio, a equipe geralmente não conhece muitos dos planos que os diretores possuem. Sempre existem interesses que não são transparentes. Por isso, quase sempre, os colaboradores de uma empresa ou organização não enxergam o todo. Isso vale inclusive,e principalmente, para as esferas do poder político.

Entretanto, o que as pessoas que ocupam funções de poder nem sempre percebem é que, embora elas tenham uma visão estratégica e tenham planos que são desconhecidos das outras pessoas, o lugar de poder que ocupam impede que descubram a verdade. Pessoas que ocupam funções de poder, sejam nas organizações, nas empresas, nas igrejas e na política, estão distantes demais da realidade e dificilmente conseguem acesso a verdade sobre o mundo que as rodeia.

Existem algumas razões para isso.

A primeira é de ordem cognitiva. Nosso cérebro é especialista em nos iludir. Pessoas que lideram são pessoas que precisam ter convicções fortes. Elas não têm tempo para ficar duvidando. Essas convicções, porém, são crenças fortes que possuem, representativas de uma realidade, mas não necessariamente da verdade. Noutras palavras, essas pessoas acreditam no que pensam ser a verdade e tomam decisões baseadas nessas crenças.

A segunda razão é de ordem prática. Gente que está comandando é gente ocupada demais. Ao tratar especificamente dos governantes, o pesquisador israelense Yuval Noah Harari afirma que é “muito difícil descobrir a verdade quando você está governando o mundo. Você simplesmente está ocupado demais”.

Para se aprofundar em qualquer assunto, é preciso ter muito tempo e este é um privilégio que, quem está no poder, geralmente não tem. Não dá para desperdiçar tempo. Gasta-se muito tempo para descobrir tudo que é possível sobre uma determinada coisa; se faz isso, quem está comandando corre o risco de deixar de comandar. As decisões vão sendo adiadas e o fracasso na posição de liderança se torna uma ameaça.

Uma terceira razão é que, quem está numa posição de poder, dificilmente ouve a verdade pelos seus liderados. Há dois motivos básicos para isso: os conselheiros próximos sabem que gozam de uma posição privilegiada e não querem perdê-la; para não perdê-la, está implícito que não devem desagradar o chefe. E, é fato, se pessoas que comandam possuem convicções fortes, elas terão dificuldade de ouvir de um subalterno: você está errado! Dizer para um líder que ele está errado é correr o risco de contrariá-lo e de perder os benefícios de estar próximo do poder. Meu ex-chefe do “vocês  não enxergam o todo” desconhecia muita coisa, inclusive problemas operacionais sérios, porque ninguém ousava dizer que algumas coisas não funcionavam como ele imaginava. 

Eu gosto de uma metáfora usada pelo Yuval Harari para ilustrar essa situação. Ele diz: “as pessoas a sua volta nunca se esquecerão do martelo gigante nas suas mãos”.

Ou seja, as pessoas que estão no entorno de quem comanda sabem que o martelo não está nas mãos delas; o martelo que pode inclusive decidir o futuro profissional, a carreira delas, está nas mãos do chefe. E essa imagem norteia a escolha entre contrariar ou não o chefe.

Por isso, poucas são as pessoas que questionam as decisões de quem está no comando. Mesmo os posicionamentos contrários são apresentados de maneira sútil, cautelosa. Afinal, ninguém esquece: o martelo gigante não está nas mãos delas.

E vou repetir: isso acontece em todas as posições de comando. Quem tem uma posição de poder está numa bolha que o impede de enxergar a realidade.
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Quanto maior o poder, menos visão da realidade. Baseado em estudos dos grandes pesquisadores do cérebro, Yuval Harari afirma: “um grande poder atua como um buraco negro que deforma o próprio espaço a sua volta. Quanto mais próximo você estiver, mais distorcido torna-se tudo.”

Para não terminar de maneira pessimista, tenho uma dica preciosa, principalmente para aqueles que ocupam funções de comando: se você de fato quer a verdade, precisa escapar do buraco negro do poder, e permitir-se desperdiçar muito tempo vagando aqui e ali na periferia. É na periferia, as margens do poder, que é possível ver aquilo que, na sala da diretoria, não se vê.

No livro “Criatividade S.A”, de Edwin Catmull, um dos fundadores da Pixar, que revolucionou o mercado dos filmes de animação, lembra que, se o líder quer acessar a realidade, ele precisa criar um ambiente de plena liberdade, onde as pessoas se sintam autorizadas a dizer tudo que pensam, sem julgamentos e riscos de serem penalizadas.

Se quem comanda permanecer no centro do poder, sem se expor, não desperdiçará seu tempo e nem será contrariado, mas terá uma visão extremamente distorcida da vida e até do que ocorre em seu entorno.–

Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação
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