Nos últimos anos, ganhou força, principalmente no Ensino Médio, a ideia de que a escola deve focar no conteúdo. Estudar, estudar, estudar. E estudar pra quê? Para passar no vestibular, ter excelente nota no Enem… Enfim, garantir uma vaga na universidade e, consequentemente, uma profissão. A tese tem seu valor… Afinal, quem não quer ver o filho numa excelente faculdade?
Porém, há alguns problemas nessa tese. O primeiro deles é bem “básico”: quem aí tem alguma ideia de como será a vida daqui a 10 ou 15 anos? A chamada quarta revolução industrial é uma realidade e inúmeras profissões estão acabando. Em virtude das tecnologias digitais e do desenvolvimento da inteligência artificial, economia, saúde, sistemas de governo estão sofrendo e sofrerão mudanças nunca imaginadas. Além disso, é imperativo aprender coisas novas todos os dias e abandonar atividades sedimentadas, abrindo-se para um mundo que se cria e recria a cada dia. Portanto, uma escola apenas focada em aprovações ou mesmo no ensino profissionalizante, é uma escola descartável.
A importância da escola se revela noutros aspectos. A geração atual é carente de experiências. Experiências que muitos de nós, que já passamos dos 40 anos, tivemos a oportunidade de vivenciar fora da escola. Aprendemos muito com as brincadeiras no quintal, na rua, nas relações com os amigos; também aprendemos no cuidado dos irmãos mais novos, e com a presença mais efetiva dos pais – inclusive de forma disciplinar. O próprio trabalho, ainda na adolescência, nos ensinou a respeitar rotinas, hierarquias, cumprir deveres, obrigações e, principalmente, a ouvir inúmeros “nãos”. Ou seja, havia uma vida que contribuía de maneira efetiva para a formação – um modo de vida que não existe.
Além disso, a própria escola proporcionava uma experiência agregadora. A gente estudava, mas também brincava, participava de campeonatos interclasses… Eu recordo que, no meu colégio, cheguei a cultivar uma horta com um grupo de amigos. Ou seja, a gente não vivia sob a pressão de garantir uma vaga na universidade. Sem contar que todas essas outras vivências e relações nos permitiam uma maturidade que não encontramos entre os meninos e meninas de hoje.
Hoje, nossa moçadinha tem uma vida completamente diferente. E, embora possuam um preparo escolar bastante significativo e com muito mais conteúdo do que podíamos imaginar no passado (além de todas habilidades tecnológicas que desenvolvem na rotina cotidiana), eles são carentes de experiências afetivas, éticas, morais e que proporcionem até mesmo a experiência produtiva de vivenciar as frustrações. Por vezes, faltam aos adolescentes valores como liderança, comprometimento, cooperação, cautela, paciência, tolerância… Na prática, se a escola não tiver uma proposta pedagógica que contemple estratégias que desenvolvam habilidades sócio-emocionais, não haverá outro lugar para que isso ocorra. Por isso, embora a tese da aprovação nas universidades tenha seu valor, precisamos de uma escola que transcenda os resultados de vestibulares.
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Ronaldo Nezo
Jornalista e Professor
Especialista em Psicopedagogia
Mestre em Letras | Doutor em Educação
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